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sexta-feira, 19 de novembro de 2010


Quando o jornalismo é sujo e sem compromisso com a verdade: O JORNAL DA BAND (e outros) é mestre nesta arte. Veja
porque.



Os mágicos sabem que brincar com as expectativas de uma plateia é a chave para fazer com que um truque funcione. Quando as pessoas pensam que sabem o que vai acontecer, onde a sua atenção deve se focalizar, uma pequena desorientação é normalmente tudo do que se precisa.
Reconhecer o sentido dos acontecimentos atuais, como em um truque, tem muito a ver com analisar as expectativas do passado. Quando hipóteses a priori encobrem as percepções de alguém, é fácil perder de vista o que acontece de verdade.
A última semana trouxe dois bons exemplos de desorientações, embora em grande parte não intencionais, diante do Vaticano. Diagnosticar como o truque foi feito é importante para uma compreensão exata do que está acontecendo.
* * *
As manchetes nestes dias proclamaram que o Papa Bento XVI  ”convocou os cardeais do mundo” para Roma para uma “cúpula” sobre a crise dos abusos sexuais. Uma notícia da Irlanda – onde a mídia é, compreensivelmente, muito atenta para notícias sobre os abusos sexuais – chamou-as de “conversas sem precedentes”.
O problema é que nenhuma das opções acima é verdadeira.
Em primeiro lugar, Bento XVI não “convocou” os cardeais para conversar sobre nada. A razão pela qual os cardeais se reunirão em Roma na próxima semana é o consistório do dia 20 de novembro, o evento em que o Papa empossa os os novos membros do colégio dos cardeais. (Neste caso, há 24 novos cardeais, incluindo 20 com menos de 80 anos e, portanto, com direito a voto para o próximo Papa). Por costume, todos os cardeais do mundo convergem para Roma para acolher os novos membros do clube mais exclusivo da Igreja.
Em segundo lugar, não há nenhuma “cúpula” sobre a crise dos abusos sexuais ou de qualquer outra coisa. Com o Papa João Paulo II, o Vaticano começou a agendar uma reunião de negócios entre os cardeais no dia anterior a um consistório, com base em que era realmente o único momento, além da morte de um Papa, em que todos eles estavam juntos. Neste caso, o dia 19 de novembro foi reservado como um “dia de oração e reflexão”, que contará com breves discussões sobre cinco tópicos:
  • “A situação da liberdade religiosa no mundo e novos desafios”, a ser conduzida pelo secretário de Estado vaticano, o cardeal italiano Tarcisio Bertone.
  • “A liturgia na vida da Igreja hoje”, liderada pelo prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, o cardeal espanholAntonio Cañizares Llovera.
  • “Dez Anos da”Dominus Iesus” , uma declaração de agosto de 2000 da Congregação para a Doutrina da Fé, que tratava da relação entre o cristianismo e as outras religiões. Essa sessão será presidida pelo cardeal italiano eleito Angelo Amato, hoje prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Enquanto atuava como número dois da Congregação para a Doutrina da Fé com o então cardeal Joseph Ratzinger, Amato foi um dos principais autores da “Dominus Iesus”.
  • “A resposta da Igreja aos casos de abuso sexual”, liderada pelo cardeal norte-americano William Levada, sucessor de Ratzinger como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
  • A recente constituição apostólica ” Anglicanorum Coetibus” , que prevê a criação de novas estruturas, chamadas de “ordinariatos pessoais”, para ex-anglicanos que desejam aderir à Igreja Católica. Essa sessão também será conduzida por Levada.
Os três últimos tópicos estão agendados para a tarde, com início às 17 horas, horário de Roma, e presumivelmente terminarão por volta das 19 horas. O que significa que os cardeais vão falar sobre a crise dos abusos sexuais por talvez 45 minutos a uma hora, e a maior parte desse tempo será consumido por um relatório de Levada.
Chamar isso de “cúpula” – e, mais ainda, esperar qualquer nova política ou gesto dramáticos decorrentes disso – é muito exagero.
Finalmente, não há nada de “sem precedentes” sobre a ideia dos cardeais se reunirem para discutir os problemas da Igreja. Essa pode ser a primeira vez em que a crise dos abusos sexuais está formalmente na agenda, mas esse é um precedente apenas no sentido técnico. Essa não é a primeira vez que os cardeais são forçados a lidar com a crise.
Conclusão: é enganoso sobrevalorizar a importância do encontro, criando expectativas que provavelmente não serão cumpridas.
Também seria infeliz, a propósito, deixar que os demais tópicos sejam minimizados. Tão importante quanto a crise, as questões como a relação do catolicismo com as outras religiões do mundo, ou a luta pela liberdade religiosa no início do século XXI também merecem o seu lugar ao sol.
Se você está entre a População cristã em acolhimento e a guerra do Iraque,por exemplo, você pode pensar que um foco sobre a crise dos abusos sexuais, excluindo a liberdade religiosa, é outro exemplo da imposição de uma agenda por parte da mídia ocidental, em detrimento das suas próprias lutas de vida ou morte. Isso, pelo menos, é algo para se pensar.
* * *
O segundo caso veio com a Viagem do Papa à Espanha, entre os dias 6-7 de novembro, que levou o pontífice ao lugar da tradicional peregrinação de Santiago de Compostela, assim como a Barcelona, onde ele consagrou a Basílica da Sagrada Família projetada pelo famosa arquiteto catalão Antoni Gaudí.
A enorme basílica, com suas múltiplas torres subindo ao céu, agora domina o horizonte de Barcelona. É como uma espécie de metáfora para o próprio catolicismo – iniciada em 1882 com ambições que ultrapassavam seus recursos, a basílica parece ser sempre um trabalho em andamento. No momento, ela está programada para ser concluída em 2026, o centenário da morte de Gaudí.
A viagem de Bento XVI foi a segunda naquilo que serão em breve as três viagens à Espanha por parte desse Papa, depois da Jornada Mundial da Juventude, em Madri, em agosto próximo. Isso fará da Espanha o país mais visitado por Bento XVI, talvez refletindo o fato de que o primeiro-ministro socialista José Luis Rodríguez Zapatero tornou-se o bicho-papão do imaginário católico europeu – um avatar do secularismo musculoso, que batalha contra a Igreja Católica em todas as frentes imagináveis, do divórcio acelerado ao aborto e ao casamento gay.
Aqui está uma prova de como Zapatero se tornou uma metáfora do Vaticano: quando Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos em 2008, a discussão imediata em Roma era se ele iria se revelar como um “Zapatero global”, ou seja, um secularista radical apoiado por um status superpoderoso.
Nesse sentido, houve uma manchete da viagem espanhola de Bento XVI no fim de semana passado, a referência papal ao “secularismo agressivo”, que quase todo mundo assumiu como uma crítica implícita a Zapatero e às políticas sociais liberais que o seu governo tem perseguido.
Essa é uma leitura compreensível, especialmente tendo-se em conta as expectativas que muitos observadores tinham da viagem. O único problema é que não foi bem isso o que Bento XVI disse.
Aqui está o texto integral da conversa com os repórteres a bordo do avião papal, o que levou a referência ao “secularismo agressivo”:
Pergunta: Nestes meses, um novo dicastério para a “Nova Evangelização” está tomando forma. Muitos têm perguntado se a Espanha, com o desenvolvimento da secularização e o declive da prática religiosa, é um dos países que o senhor tinha em mente como um objetivo para o novo dicastério, senão de fato como o objetivo principal. Essa é a nossa pergunta.
Bento XVI: Com esse dicastério, eu realmente pensei em todo o mundo, porque a novidade do pensamento moderno, a dificuldade de pensar nos conceitos da Escritura e da teologia, é universal. Naturalmente, há um centro para esse problema, e é o mundo ocidental com o seu secularismo, o seu laicismo e a continuidade da fé, que deve procurar se renovar para ser uma fé para hoje e para responder ao desafio do laicismo.
No Ocidente, todas as grandes nações têm sua própria forma de viver esse problema: tivemos, por exemplo, as viagens para a França, para a República Checa, para o Reino Unido, onde [esse problema] está presente de uma forma específica para cada país, para cada história, e isso também é verdade, fortemente, para a Espanha.
A Espanha sempre foi um país “originador” por causa da fé. Pensemos, por exemplo, no renascimento do catolicismo na era moderna, que aconteceu acima de tudo graças à Espanha. Figuras como Inácio de Loyola, Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz verdadeiramente renovaram o catolicismo e formaram a fisionomia do catolicismo moderno. Mas é igualmente verdade que um laicismo nasceu na Espanha, um anticlericalismo, um secularismo forte e agressivo, como vimos na década de 1930. Essa disputa, talvez ainda mais esse conflito entre fé e modernidade, ambos dos quais estão muito vivos, também está se desenvolvendo na Espanha hoje.
Por essa razão, o futuro da fé e o encontro, não o conflito, mas o encontro entre fé e laicismo, é um ponto central na cultura espanhola. Nesse sentido, pensei em todas as grandes nações do Ocidente, mas sobretudo na Espanha.
Dois pontos são dignos de destaque nessa resposta.
Primeiro, a linguagem do Papa sobre o anticlericalismo e o “secularismo agressivo” se referia em primeiro lugar à Espanha da década de 1930 e sua sangrenta guerra civil entre o catolicismo nacional militante de Franco e o radical anticlericalismo dos republicanos. Não foi diretamente uma cotovelada em Zapatero ou no Partido Socialista contemporâneo, mesmo que o Papa admita que a colisão entre fé e modernidade continue até hoje.
Em segundo lugar, a questão que Bento realmente queria apontar era para a importância de transformar o “conflito” entre fé e modernidade em um “encontro”. Ele estendeu essa mensagem assim que desembarcou na Espanha, prometendo que a Igreja quer trabalhar com a sociedade espanhola para promover a “justiça para todos, começando com os mais pobres e indefesos”. Dirigindo-se aos secularistas que prezam pela escolha e a tolerância, Bento XVI afirmou que Deus é “o fundamento e o ápice da nossa liberdade, não o seu oponente”.
Em outras palavras, Bento XVI não foi à Espanha para comprar uma briga com os secularistas, mas para tentar fazer as pazes. Certamente, isso também é uma notícia, mesmo não sendo a que alguns poderiam esperar.
* * *
Sobre outro assunto: provavelmente não é a primeira vez, e provavelmente não será a última, mas houve um caso claro nos últimos dias pelo fato de Garry Wills e a revista Forbes, obviamente, não estarem na mesma página.
Wills, claro, é indiscutivelmente o mais ilustre historiador presidencial dos Estados Unidos, professor emérito da Universidade Northwestern e um católico de berço que, na última década, publicou uma dezena de livros sobre temas religiosos – incluindo, como se sabe, uma crítica contundente da Igreja Católica institucional e sua liderança hierárquica.
Wills recentemente deu uma entrevista tipicamente provocativa para o The New York Times, cobrindo uma grande variedade de tópicos. Embora Wills normalmente seja volúvel, ele foi notavelmente sucinto quando questionado sobre a sua opinião a respeito do Papa Bento XVI.
Seu julgamento de uma palavra foi “irrelevante”.
Evidentemente, esse não foi o julgamento da Forbes. Em seu resumo anual das pessoas mais poderosas do mundo, Bento XVI terminou no quinto lugar – de longe, a mais alta classificação para qualquer líder religioso do planeta (o Dalai Lama, a outra única autoridade religiosa formal da lista, ficou no 39º lugar. Claro, até mesmo essa avaliação tem a ver com o carisma pessoal do Dalai Lama, não com o poder do seu cargo, considerando que existe o sentimento de que qualquer Papa estaria provavelmente em algum lugar nesse meio).
Segundo a Forbes, as únicas pessoas sobre a face da terra com mais influência do que Bento XVI são Hu Jintao, presidente da China; Barack Obama, presidente dosEstados Unidos; Abdullah bin Abdul Aziz al Saud, rei da Arábia Saudita; eVladimir Putin, primeiro-ministro da Rússia.
Para ser justo com Wills, ele não quis dizer que o Papa é ineficaz em termos de Realpolitik. Quando pressionado a explicar a sua resposta de uma palavra, Wills acrescentou que, na sua opinião, o Papa é irrelevante “para a religião [e] para o Evangelho”.
Ainda assim, é surpreendente que um antigo católico chame o Papa de “irrelevante”, enquanto uma revista de negócios secular, que não se mete nas brigas intracatólicas, considere o Papa como, de longe, a figura religiosa mais poderosa da Terra – e até como alguém mais influente do que a sua colega alemã, a chanceler Angela Merkel, assim como Bill Gates e Rupert Murdoch.
Talvez o contraste pode ser explicado da seguinte maneira: Wills estava fazendo teologia opinativa, enquanto a Forbes estava fazendo jornalismo. Um Papa pode ser irrelevante para o sistema de crenças de alguém, mas em termos de como o poder é exercido no mundo real, os Papas obviamente têm sua importância. Se você não acredita nisso, há alguns ex-chefões soviéticos em Varsóvia e em Moscou que você pode consultar sobre se João Paulo II fez a diferença em suas vidas.
Nesse sentido descritivo, a Forbes, provavelmente, entendeu isso muito bem. A classificação traz à mente a velha frase do Homem-Aranha: “Com um grande poder, vem uma grande responsabilidade”.
John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter

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